De volta à
cidade maravilhosa, depois de uma curtíssima ausência, encontrei-a imersa em um
verdadeiro caos no trânsito e nos transportes. Não que ela já não estivesse
quando parti há poucos dias atrás. Mas depois desses poucos dias, parece que
ela ficou ainda pior.
Minha cidade
tão querida parece um canteiro de obras. O prefeito pede para que deixemos o
carro em casa e utilizemos o transporte público. Essa é uma questão difícil...
O Metrô pára de funcionar bem na hora do rush.
A Supervia e suas constantes panes. As barcas, além de muito mais caras do que
antes, parecem ter o mesmo destino. Fico pensando sempre nas palavras dos
nossos governantes, sejam eles municipais, estaduais ou federais, quando
decidem privatizar alguma coisa. Alegam melhorias aqui e acolá, mas o que vemos
é um verdadeiro caos. Será que podemos pedir o cancelamento da concessão diante
de quadro tão aterrador? Acho difícil! Ouvi outro dia o vice-governador falar
sobre o problema rotineiro com os trens da Supervia. Segundo ele, "a
Supervia está atendendo bem as expectativas..." Eu só queria saber
exatamente quais são as expectativas a que ele se referiu. Bem, acredito que
ele tenha expectativas muito diferentes das do usuário diário. Não tenho
certeza, mas acho que o vice-governador não anda de trem não.
Outra coisa que me intriga nessas privatizações e concessões é o fato do governo declarar-se incompetente para administrar alguma coisa. Sempre fiquei curiosa do motivo dos nossos governantes acreditarem que só a iniciativa privada consegue administrar de forma exemplar. Não é o que se vê quando o assunto é o transporte coletivo. Eles prometem melhorias para os anos vindouros, ainda distantes, mas hoje... Essa questão me intriga tanto...
Outra coisa que me intriga nessas privatizações e concessões é o fato do governo declarar-se incompetente para administrar alguma coisa. Sempre fiquei curiosa do motivo dos nossos governantes acreditarem que só a iniciativa privada consegue administrar de forma exemplar. Não é o que se vê quando o assunto é o transporte coletivo. Eles prometem melhorias para os anos vindouros, ainda distantes, mas hoje... Essa questão me intriga tanto...
Além de todos
esses problemas, ainda temos a questão da segurança. Os assaltos aos ônibus
estão deixando a população ainda mais insegura. Enfim, um quadro triste para
uma cidade que é o cartão de visita do nosso país.
Bem, diante de
tudo que disse acima, me surpreendi com um texto que li ontem. Nele acho que
consegui encontrar a solução para o problema dos transportes e do trânsito no
Rio de Janeiro. Sua autora é a escritora Rachel de Queiroz e devido à
atualidade dos fatos relatados por ela, decidi colocar o seu texto no marcador
CRÔNICA DO DIA do Blog da Fátima Augusta.
"Os
bondes", escrita em 1975, fala da agressividade do trânsito da cidade
e de como os bondes poderiam ajudar na solução de problemas ainda tão atuais e
tão presentes na vida do carioca.
Confiram abaixo o texto na íntegra, que faz parte da coletânea de
crônicas da autora, reunidas no livro Melhores
Crônicas, de Rachel de Queiroz, com seleção e prefácio de Heloisa Buarque
de Hollanda.
OS BONDES
Pode ser fantasia, papel leva tudo, diz o povo, mas das gentis novidades que os jornais prometem por obra do novo prefeito do Rio, a que mais me entusiasma será a volta do bondes, imagina, os bondes. Nem acredito, a tanto não chegam as minhas veleidades. Bonde circulando pela rua, a gente esperando no poste de listra branca, escalando o alto estribo, instalando-se no velho banco de madeira, abrindo o jornal e deixando o motorneiro correr, o vento nos banhando o rosto... E o dito motorneiro badalando na sua campa delém-delém! e o condutor tilintando os níqueis no nosso nariz distraído, faz favor! - e marcando as passagens na caixa sonora do teto, e a gente puxando a sineta para descer e os pingentes circunavegando os carros - não, não ouso acreditar. Bonde, o mais civilizado veículo concebido pela técnica, bonde não esquenta, não queima óleo, não vomita fumaça, não buzina, não sai do caminho, não ultrapassa os outros, não abalroa, não agride, não vira em canal, não despenca de viaduto, não caça pedestre, não fura pneu, não quebra barra de direção, não dá tranco para acomodar a carga humana, não depende de um motorista sofrendo de psicotécnica, mas de um motorneiro pachorrento, bonde, ah, bonde, não sei o que diga em teu louvor, já que, plagiando Manuel Bandeira, por mais que te louvemos nunca te louvaremos bem!
Sim, sei que são sonhos. Mas como para Deus nada é impossível, por que não um milagre? Um anjo inspirar o prefeito e ele começar, tentativamente, pondo bondinhos a correr pela periferia da cidade, subúrbios, ilhas, esses lugares cariocas mais pacíficos. Na ilha do Governador, por exemplo, de onde tiraram os bondes foi crime, com aquelas ruas estreitíssimas à beira-mar, onde só o bonde, preso ao trilho, circulava por elas sem risco. Depois dos ônibus, é só verem as estatísticas, morre lá mais gente atropelada do que de assalto.
E a experiência dando certo em Campo Grande, Santa Cruz - os felizardos! por que não ousar uma tentativa pelo Leblon, talvez um circular pela Lagoa, seria muito turístico. Ou, ainda melhor, uma linha Leblon-Arpoador, ao longo da praia, de onde seriam expulsos os automóveis; nos bondes os banhistas poderiam circular até de calção molhado - devolvendo-se ao uso a venerável instituição do taioba.
Falei em taioba. Alguém já pensou que, depois extintos os bondes de segunda classe, não existe mais maneira alguma de pobre carregar seus fardos - lavadeira a sua trouxa, mascate a sua mala, vassoureiro as suas vassouras, verdureiro a sua cesta? Que foi que botaram em substituição ao bonde taioba? Nada, claro. Quem pôde , comprou a sua bicicleta ou triciclo para atravancar ainda mais o tráfego. Pobre cada dia tem menos vez.
Nos tempos de eu mocinha, em Fortaleza, era de bonde que se namorava. O primeiro sinal de interesse que o rapaz dava à moça era pagar a passagem dela. Se ela aceitava, estava começado o namoro e o galã tinha direito de vir sentar-se ao seu lado, ou pendurar-se no balaústre, junto, se ela ia na ponta do banco. Menina namoradeira escolhia sempre a ponta do banco, para facilitar.
Em Belo Horizonte, no bonde que, do Bar do Ponto, subia a Rua da Bahia, quando o condutor ficava quieto lá atrás, já se sabia: era o Senador Melo Viana que vinha naquele bonde e pagava a lotação inteira.Todos se viravam em procura do perfil severo do senador que lia o seu jornal; de um lado e de outro pipocavam discretos agradecimentos mineiros e o senador se mantinha impassível, embora, naturalmente, gratificadíssimo.
As moças da Tijuca aqui no Rio, que vinham trabalhar na cidade, bordavam no trajeto de bonde grande parte do seu enxoval; muita velha senhora tijucana, hoje em dia, há de lembrar-se disso. As de Ipanema não sei, nunca me contaram. Mas todas essas galanterias se acabaram. Hoje, em transporte coletivo, só se escuta palavrão, resmungos e ranger de dentes.
Então, ante a dura realidade, ante os dinossauros assassinos disparados pelo asfalto, deixem-me sonhar com os bondes. Nesta cidade feroz, seria cada bonde uma ilha de segurança, de amável fraternidade, sempre cabia mais um! ai, saudades.
Nosso reino por um bonde!
As moças da Tijuca aqui no Rio, que vinham trabalhar na cidade, bordavam no trajeto de bonde grande parte do seu enxoval; muita velha senhora tijucana, hoje em dia, há de lembrar-se disso. As de Ipanema não sei, nunca me contaram. Mas todas essas galanterias se acabaram. Hoje, em transporte coletivo, só se escuta palavrão, resmungos e ranger de dentes.
Então, ante a dura realidade, ante os dinossauros assassinos disparados pelo asfalto, deixem-me sonhar com os bondes. Nesta cidade feroz, seria cada bonde uma ilha de segurança, de amável fraternidade, sempre cabia mais um! ai, saudades.
Nosso reino por um bonde!
(Rio, 07/04/1975)"
E vocês, amigos leitores, o que acham da questão? Será que a escritora Rachel de Queiroz tinha razão, quando afirmou sua paixão pelos bondes? Será essa a solução para a nossa cidade?
Sensacional. Impressionante como a realidade parece a mesma. Será que teremos esta felicidade com o VLT ?
ResponderExcluirNOSSA! EU SOU DO TEMPO DO BONDE! INTERESANTE O REALISMO DE QUE SE UTILIZA PARA FALAR DE COMO ERA. É;;;A LEI DO PROGRESSO NOS ALCANÇA, MAS, INFELIZMENTE, O PROGRESSO INTELECTUAL NÃO VEM ACOMPANHADO DO PROGRESSO ÉTICO MORAL. EIS A QUESTÃO. BJS DA TEREZA VIEIRA
ResponderExcluirMuito oportuna a sua crônica e, um presente à todos a da Raquel de Queiroz que nos levou ao problema de transporte público de 40 anos atrás. E curiosamente continua sendo o mesmo atualmente da nossa cidade. Solução existe! Barata, ecológica, segura, agradável, turística e acima de tudo eficiente! Por falar em bonde, alguém saberia me dizer quando retornam a circular os do charmoso bairro de Santa Tereza???
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