quarta-feira, 16 de março de 2016

CRÔNICA DO DIA: O CAFÉ.

A empresa havia comprado uma máquina nova de café. Os funcionários ficaram eufóricos. "Será que o café dessa máquina é melhor do que o da outra?", perguntavam-se. A ansiedade dissipou-se logo após a instalação. As tais máquinas ofereciam três tipos de café - suave, forte e tradicional. Todos estavam encantados com a novidade e a variedade das opções oferecidas. 




Passada a empolgação inicial, começaram os comentários a respeito do café. Uns acharam fraco. Outros forte. Outros levantaram a questão da higiene da engrenagem. Outros ainda, alegaram que a água utilizada pela máquina não estava própria para o consumo. Enfim, a máquina de café era o assunto predileto da chamada "rádio corredor". E as manchetes das matérias dessa rádio, tão popular em ambientes corporativos, não eram nada boas... 

Foi então que alguém levantou a voz para trazer uma solução que pretendia salvar os paladares mais apurados no quesito "café". "Que tal comprarmos uma cafeteira com os nossos próprios recursos e fazermos o nosso próprio café?", sugeriu uma voz. A ideia foi simpática a muitos e nos dias que se seguiram a movimentação foi grande para alcançar o novo objetivo da equipe. Pesquisa aqui, pesquisa ali. Por fim, encontraram uma "maravilhosa", que atenderia a todos magnificamente. Iniciou-se o rateio. Todos os participantes da nova empreitada colaboraram.

Finalmente, ela chegou! A animação foi geral. Todos queriam estrear o novo "brinquedo". Sim, brinquedo. Pareciam crianças diante de um novo presente, que há muito sonhavam. Estabeleceram regras para o uso, como quem faria o café, quem limparia a engrenagem, quem compraria o pó de café, o açúcar e por aí vai. A empolgação só aumentava. As tardes ficaram até mais doces. Bolos eram comprados para acompanhar e dar mais sabor ao momento do cafezinho. Imaginem o cheiro prazeroso que invadia o ambiente, quando chegava a hora do café. Um aroma convidativo, posso garantir!

Tudo ia bem, até que velhos costumes começaram a vir à tona. Os homens foram deixando de mansinho a tarefa de fazer o café. Vez ou outra, um deles aventurava-se na função e ainda se autoelogiava, afirmando que "o seu café sim, era café de verdade", mesmo que ele só o fizesse esporadicamente. Como somente as mulheres passaram a dividir a tarefa, iniciou-se, entre elas, uma vigília para ver quem estava colaborando. Começou o disse-me-disse. Ouvia-se a "boca pequena" coisas do tipo "fulana nem encosta na máquina para fazer o café e ainda tem a cara de pau de perguntar se tem café fresco logo que chega". "Mas que café ruinzinho. Não sei como uma pessoa assim se diz dona de casa". "Não sei não, mas acho que não vou participar mais do rateio, só eu faço café". "Se eu não chegar cedo, não tem café".

E o que era um prazer inenarrável começou a desencadear atritos. As pessoas entreolhavam-se com ar indisposto. Antigas antipatias começaram a vir a tona e com isso, um depois outro foi desistindo da empreitada e retornaram para a máquina de café, que mantinha-se pacientemente firme aguardando seus clientes. 

Os dias transcorriam felizes e laboriosos. A máquina de café voltou a ativa freneticamente. Durante um tempo... Não muito. Até que alguém começou a notar certas imperfeições naquele café tão... "Mecânico"! "Esse café é tão sem gosto!", dizia um. "Muito forte esse café", dizia outro. De repente, alguém notou em um cantinho da bancada a esquecida e empoeirada cafeteira e teve uma brilhante ideia: "pessoal, por que não usamos a cafeteira para fazer nosso próprio café?", sugeriu o criativo funcionário. As pessoas gostaram da sugestão e começaram a estabelecer os regulamentos para o uso. Assim, mais uma vez, a máquina de café entrou de férias. Férias? Sim, férias. Já, já, ela volta ao trabalho. 




quarta-feira, 9 de março de 2016

CRÔNICA DO DIA: MULHER!

Há quem considere desnecessário comemorar o Dia Internacional da Mulher. Afinal, todos os dias são nossos. É o que dizem. Outros o acham imprescindível como forma de valorizarmos quem há muito não tinha voz.


É verdade, muito já se conquistou... 


Por necessidades orçamentárias nos foi permitido trabalhar. Assim, assumimos a contribuição monetária ao orçamento familiar e continuamos com as nossas tarefas domésticas. Afinal, trabalho de casa é coisa ainda de mulher para muitos hoje em dia. Não tínhamos direito a voto, não tínhamos direito a opinião e até o famoso CPF (Cadastro de Pessoa Física) tinha o mesmo número do marido. E isso não faz tanto tempo assim. Uma amiga de 65 anos ainda conservava, até bem pouco tempo, o mesmo número de CPF do marido.

Pois é, o tempo passou e quando olhamos para trás, percebemos que já conquistamos muitas coisas. Mas ainda há muito por fazer. Continuamos travando pequenas batalhas diárias pelo respeito e reconhecimento. Ainda precisamos muito do amparo da lei para nos sentirmos seguras e com nossos direitos assegurados. Vejam o exemplo de alguns grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro, que estabeleceu o vagão rosa no Metrô, exclusivo para mulheres, vítimas de assédio, no horário do rush. Grande parcela da população não gosta dessa lei, até mesmo mulheres, pois a acham segregacionista e consideram que a educação e o respeito deveriam ser ensinados desde os anos iniciais na escola. Sim, educação é a base de tudo. Concordo. Até porque a criação dos tais vagões indica que consideramos os homens seres um tanto quanto irracionais, que não conseguem domar seus instintos. Porém, o trabalho junto às crianças só será percebido mais adiante. O que faremos com as vítimas do agora? Enfim, muitas vezes, medidas consideradas inadequadas visam proteger quem não tem como se defender em determinada situação. O debate continua. 

Mas nesse dia em que comentamos sobre direitos adquiridos, lutas vitoriosas e sonhos que se realizaram, uma pessoa me veio a cabeça: minha mãe. Nascida durante os anos 1920, minha mãe, criada sob rígidos costumes, teve que deixar a profissão que amava, o magistério, logo após o casamento e a chegada repentina do primeiro dos seus cinco filhos. Não porque o marido a proibiu, embora nada fosse facilitado. Ela simplesmente não tinha com quem deixar meu tão querido irmão mais velho. Sua mãe, minha avó, lhe disse: "lugar de mulher é em casa cuidando do marido e dos filhos", sentenciou.

Assim, o magistério perdeu uma excelente professora e o lar ganhou uma das mães mais dedicadas, carinhosas, batalhadoras, amigas que eu pude conhecer. Muito antes ainda da minha chegada (sou sua quinta filha, a chamada temporão, nascida com uma diferença de quase dez anos para a minha irmã), a situação econômica da família se agravou e minha mãe teve que contribuir com as despesas da casa, como costureira, afinal era o que podia fazer com quatro filhos sob seus cuidados. 

Os anos se passaram, outros trabalhos vieram, muitas lutas, muitas dificuldades e, finalmente, cheguei eu. Talvez eu tenha chegado em um dos seus momentos de maior turbulência, quando a situação financeira da família estava no ápice da dificuldade. Posso imaginar a angústia da minha mãe ao perceber que mais um membro ia agregar-se àquela situação difícil. Curiosamente, após a minha chegada, com os meus irmãos já crescidos, minha mãe foi trabalhar no ambiente que mais amava: uma escola! Não como professora e sim como responsável pela livraria da instituição. E o melhor de tudo, pode me levar com ela. Desta forma, tive a oportunidade de crescer em meio aos livros e ao lado da pessoa mais especial que conheci. Passava o dia na escola. Estudava pela manhã e no resto do dia, dividia meu tempo entre a biblioteca e a livraria. Ou, muitas vezes, brincando sozinha pelo pátio, pois meus amigos já tinham ido para casa. 

Minha mãe trabalhou lá até se aposentar. Eu saí de lá para a faculdade. Não vou dizer que a vida foi fácil. Não. Em termos materiais, o dia a dia continuou sendo de muita luta. Mas fui feliz ali. Muito! Eu tinha ELA, minha mãe! Os livros! Os amigos que fiz para toda a vida! 

Então, no dia em que todos celebram o nosso dia, as vitórias, as conquistas, eu decidi homenagear a ela. Nunca vi minha mãe queixar-se, gritar, maldizer. Algumas vezes, a percebi cansada, desanimada. Mas não podia esmorecer. Sua família dependia da sua força, da sua conduta. A dignidade, o caráter, o carinho, a dedicação, a suavidade forte fizeram da minha mãe um exemplo. De vida. De amor. Todo o meu carinho, todo o meu amor, todo o meu respeito são para você, MÃE!!!