segunda-feira, 11 de julho de 2016

CRÔNICA DO DIA: "DE REPENTE 50!"

Foi há oito meses.
Sim, vocês podem estar se perguntando por que alguém se lembraria que tem cinquenta anos de vida, quando já está prestes a completar cinquenta e um. Parece estranho e confuso. E é mesmo. O que nos faz lembrar de repente que já estamos por aqui há meio século? Pode ser uma palavra, um gesto... No meu caso foi uma nota de falecimento.


Quando abri a rede social pela manhã, a primeira notícia que apareceu foi o comunicado da morte da mãe de uma amiga. Ao chegar ao trabalho, a primeira mensagem do correio eletrônico era a informação do local do sepultamento. E aí sim, o gatilho da consciência da passagem do tempo foi disparado. Com ele, várias memórias vieram à tona em uma fração de segundos. Um turbilhão de emoções e lembranças.

Há 26 anos meu pai foi sepultado no mesmo local. Exatamente há 26 anos. No mesmo dia. No dia do seu aniversário.

Me peguei pensando como o curso do tempo parece veloz, voraz... Outro dia eu era adolescente. Outro dia eu estava na faculdade. Outro dia... 

Meu pai voltou aos meus pensamentos. Já aposentado, gostava de ficar todas as manhãs na praça com os amigos, também aposentados. Permaneciam lá até a hora do almoço. Conversavam sobre as notícias do dia. Meu pai adorava a coluna do Castello, no canto esquerdo da página dois do Jornal do Brasil. Ele era um leitor assíduo deste jornal e comentar sobre política era seu passatempo predileto.

Com o passar do tempo, percebi que meu pai já não ia mais a praça todos os dias. Ficava sentado no sofá com o olhar vago. Resolvi lhe perguntar se não ia a praça naquele dia. Ele respondeu que estava indisposto. Avisei que um de seus amigos havia perguntado por ele. Ele pareceu animar-se, discretamente. Até que descobri o que estava acontecendo. Dois deles haviam morrido. E isso estava deixando o meu pai deprimido. Afinal, na idade dele, vendo os amigos partirem, é natural que se pense sobre a sua própria data de partida.

Lembrar desse episódio me fez recordar de uma palestra que assisti sobre o livro "Viver é a melhor opção", com o jornalista André Trigueiro. Ele mencionou sobre a depressão que acomete algumas pessoas, quando chegam na fase mais madura da vida e o sentimento de perda que se pode experimentar, quando a vitalidade diminui. Esse sentimento, além de assustador, pode trazer a tona emoções que não prevíamos. Na palestra, Trigueiro ressaltou o cuidado que devemos ter com nossos idosos nesse período de mudanças, em que perde-se agilidade, perde-se memória, perde-se saúde, perde-se amigos, familiares... "É fundamental não descuidar da socialização desse segmento", orienta o autor.




Foi exatamente neste instante que percebi a passagem do tempo para mim mesma. Tanta coisa mudou nos últimos cinquenta anos. A comunicação, os transportes... Flashes passaram rápidos pela minha mente, como o dia em que percebi que já não dançava com a mesma desenvoltura de antes, ou quando comentei sobre o telex e as pessoas a minha volta me olharam como se estivessem se perguntando "do que ela está falando?" Ou quando você chega, está todo mundo comentando sobre a minissérie brasileira Ligações Perigosas e você fala empolgada sobre os desfechos da história, comparando os finais dos protagonistas no livro de Choderlos de Laclos e no filme homônimo com Glenn Close, John Malkovich e Michelle Pfeifer. Aí alguém diz "Fatinha, você está dando spoiler!!!" Só aí você se dá conta de que as pessoas a sua volta eram muito jovens na época do filme, algumas nem tinham nascido. Só há uma coisa a fazer: pedir desculpas e torcer pro autor da série brasileira usar sua licença poética e mudar o final da história. Ou comentar que o desfecho do filme foi diferente do final do livro. Ah, mas essa informação também está na rede, gente! E é tão bom comentar sobre as histórias que nos marcaram... Parece que foi ontem que assisti a cena da Michelle Pfeifer, sofrendo por amor e dizendo "that's enough" (basta). Que cena triste! Inesquecível!

Além das situações que são até engraçadas, chegar à idade madura nos dá a certeza do quanto somos efêmeros, do quanto nossa passagem por aqui é breve e rápida. E é nesse momento que devemos tomar cuidado. Me lembro que na referida palestra, Trigueiro, o autor do livro, sugeria algo como reinventar a vida nesta fase, manter-se ocupado, cultivar as amizades. Talvez não seja fácil, mas parece uma proposta interessante. Ele mesmo, prestes a completar 50 anos, contou que tem pensado muito no assunto. Pois é, mas como reinventar-se? Como descobrir o prazer na nova fase? "Se cada fase da vida tem algo de importante para nos ensinar, é preciso descobrir o que está reservado para nós no ocaso da existência. Tentar fazer isso com algum espírito de aventura pode ser algo interessante", sugere ele.

Maternidade e maturidade

Fiquei pensando sobre essa questão da aventura... Me veio a mente a questão da maternidade, para mim, uma das maiores aventuras da vida! Maior, mais difícil, mais desafiadora e mais surpreendente do que qualquer voo rasante em cima dos dragões no filme Como treinar seu dragão

Apesar de não ter nenhum impedimento físico, deixei para mais tarde o momento de encarar esse desafio e vivenciar uma das experiências mais gratificantes da vida. Não me arrependo. Chegou quando tinha que chegar. No momento certo. No momento em que, definitivamente, estou entrando na fase madura da vida. Nesse instante em que percebemos o quanto o tempo é precioso e a saúde fundamental, observar uma nova vida florescendo, renascendo, transformando-se, descobrindo-se é... Fantástico! Enriquecedor! 

Eu sei, vocês podem dizer que também isso é passageiro. É verdade. É sim. Criamos os filhos para o mundo, assim como nós um dia também fomos criados. E quando chegar a hora deles alçarem voos maiores, nós podemos sentir toda a solidão desse momento. O que fazer? Aceitar mais esse desafio. E sabe o que eu acho? A socialização que o autor do livro menciona acima é muito importante. Cultivar as amizades antigas, alimentar as novas que chegam, afinal através dos filhos, fazemos tantos novos amigos, não é mesmo? Talvez esse seja o caminho, compartilhar experiências com quem está vivendo momentos semelhantes.

Mas, por enquanto, ainda estou vivendo essa aventura de observar o desenvolvimento da vida em toda a sua plenitude e posso garantir, estou adorando. Dificuldades? Certamente que existem. E são muitas. Por isso é tão desafiador. Quer coisa melhor para fazer a adrenalina subir do que um bom desafio? São pouco mais de dez anos de pura adrenalina. Mas também temos momentos de poesia...

Outro dia, ao buscar meu filho após o trabalho, lhe dei um forte abraço e disse: "olá, melhor parte do meu dia!" Ele sorriu, me abraçou e falou com ar enigmático (aquele em que você não sabe exatamente o que a criança está pensando): "Mãe, você é tão engraçada!" No dia seguinte, quando fiz o caminho inverso e fui deixá-lo no seu destino antes de partir para o trabalho, nos despedimos e quando já ia indo embora, ele segurou meu braço e disse: "bom trabalho, melhor parte do meu dia!" e sorriu com ar maroto. 

É, tenho certeza que vou sentir falta dessa aventura, quando ela tomar outro rumo e assumir novos contornos. Mas, por enquanto, vou vivendo, curtindo e apreciando cada momento desta fase, que exige concentração, disposição, energia, criatividade, dedicação e, sobretudo, amor para executar a tarefa. Amor, a chave de tudo! Em todas as fases da vida!