Há meses acompanhamos toda a movimentação do país para se preparar para os grandes eventos internacionais que vai sediar. Sabe quando bate aquela sensação de angústia e impotência? É, acho que esses sentimentos podem definir meu estado de espírito. Sou da geração que nasceu sob a tutela do regime militar, quando ter determinados livros em casa podia ser considerado subversão. Ainda pequena, quando minha mãe trabalhava em uma escola, eu conhecia quase todos do colégio. Em algumas ocasiões, os meus olhos de criança viam alunos diferentes, um pouco mais velhos, procurando pelo segundo ano do segundo grau (atual ensino médio). Eu costumava dizer para minha mãe: "eu não conheço esse aluno". E minha mãe me mandava ficar quietinha. Por que será?
Pois é, esse tempo ficou para trás. Ou talvez não. Agora vivemos em uma democracia, conquistada aos poucos com a "abertura lenta e gradual" do governo do então presidente Ernesto Geisel (é, acho que foi com ele). Nunca esqueci essa frase. Era como se fôssemos todos crianças, cujos pais vão nos dando um pouco de liberdade em doses homeopáticas. E assim seguimos nossa caminhada. Participamos do comício das Diretas Já, acreditando que eleger um presidente através do voto, e não mais pelo colégio eleitoral, iria mudar os rumos do nosso amado Brasil. Ainda me lembro de, recém saída da adolescência, dizer que devíamos nos preocupar com as eleições dos vereadores e prefeitos. Afinal, precisamos começar mudando a nossa cidade, para depois conseguir mudar um país de proporções continentais como o nosso. Bem, mas isso é um pensamento infantil de quem não entende muito de política, não é mesmo? Um fato curioso, acho que os militares também acreditavam nisso, pois a tal abertura lenta e gradual permitiu, inicialmente, o voto direto apenas para prefeitos e vereadores.
E assim estávamos de volta à democracia! O primeiro presidente pós ditadura não chegou a governar. Morreu antes. Tivemos que nos contentar com o vice. Homem culto, disseram. Entrou até para a Academia Brasileira de Letras. E assim seguíamos gradualmente construindo nossa democracia. E o povo? Continuava sem escola, sem saúde, sem saneamento, contando tostões para sobreviver. De repente, a sua força foi descoberta. Não por eles, mas por aqueles que seriam os seus eleitos. Um famoso carnavalesco dizia que pobre gosta de luxo. E foi confiando nisso que elegemos um outro presidente culto, poliglota, que prometia acabar com os marajás. Acabou destituído do cargo e, mais uma vez, tivemos que nos contentar com o vice. Aí veio um outro homem culto, elegante, educado, que apesar dos comentários de alguns casos rumorosos como o Proer, Bancos Marka e Fonte Cindam, privatizações, governou por dois mandatos consecutivos. Finalmente, chegou ao poder supremo da nação brasileira o primeiro homem do povo, com pouca instrução, contrariando a afirmação daquele carnavalesco já mencionado. Carismático, popular (alguns dizem que ele é populista. Acho que é porque o seu governo ofereceu muitos programas assistencialistas. Acho que é por isso) e simpático, também governou o país por dois mandatos consecutivos. A diferença para o seu antecessor é que, apesar de um escândalo famoso, o chamado Mensalão, este presidente conseguiu eleger seu sucessor, ou melhor, sua sucessora. Mas e o povo, como está agora? Feliz? Acho que não. Ainda não encontramos aquele ou aqueles que vão, de fato, fazer a diferença. As promessas de outrora, daqueles que diziam que fariam tudo tão diferente, não se concretizaram e o que vimos foi uma farra com o dinheiro público, desde sempre. Apesar de algumas coisas boas... Sim, coisas boas, porque sempre existe um lado bom, esses governos anteriores deixaram aquela sensação de que as coisas não mudaram como imaginávamos que mudariam. Que desalento para os jovens eleitores pós ditadura militar!
Mas agora somos uma nação que está na rota dos eventos internacionais. E, por conta disso, o país todo parece estar em reforma. Não para o seu povo, que trabalha e sua camisa todos os dias. O país está sendo reformado para "inglês ver", isto é, para os estrangeiros, não para o seu povo. E dizem que não podemos fazer feio, temos que receber bem os turistas. Mas e nós? Nós, o povo brasileiro??? Quantos de nós vão poder assistir aos jogos da seleção brasileira ao vivo e a cores? Poucos. Pouquíssimos. Mas isso não importa muito para aqueles que nos governam e que fomos nós mesmos que os colocamos na posição em que estão. Defendem seus interesses e não de quem os elegeu.
No Rio de Janeiro, costumamos ouvir muito falar em "choque de ordem". Fico sempre pensando sobre isso. Presenciamos o descaso com a população no centro do Rio, vítima constante dos inúmeros assaltos na principal avenida da cidade, a Presidente Vargas. Onde está o tal choque de ordem? Juro que não sei do que se trata. Ah, minto, sei sim. O choque de ordem é para o cidadão que paga impostos. Esse, sim, sofre o efeito devastador desse choque, no bolso, na pele e na alma. Em nome da melhoria no trânsito, os cariocas são obrigados a trafegar com seus carros particulares por apenas duas faixas. Quem anda de ônibus dizem que se beneficiou com a medida. Bem, mas essas duas faixas dos carros particulares vivem constantemente engarrafadas e, como disse antes, os assaltos são frequentes na tal avenida, tanto para os transeuntes, quanto para os motoristas parados com os seus carros nos engarrafamentos. Se um desses carros resolve fugir da abordagem dos delinquentes e invade a faixa dos ônibus, ganha uma multa. Bem, temos que decidir para quem entregar nosso escasso patrimônio, conquistado através de muito, muito trabalho mesmo. Os organizadores do tráfego não podem proteger os cidadãos e seus veículos da abordagem criminosa. Foge a alçada deles. Mas eles podem multar os infratores. Bem, mas quem vai proteger este cidadão amedrontado e penalizado? Ah, deve ser o tal choque de ordem. Alguém me diga, quem é este indívíduo, por favor! Ele existe? Ele é municipal ou estadual? Ou será federal?
Ah, e não venham me dizer que os cidadãos que estão nos ônibus estão seguros. Não. Não estão. Eles também são vítimas dos mesmos delinquentes, enquanto os ônibus ficam parados nos pontos para embarque e desembarque de passageiros. O tal do choque de ordem também não consegue protegê-los não. Sabe o que eu acho? Se esse tal choque de ordem existe, é um cara muito mal informado. Porque todos que passam pela Avenida Presidente Vargas já são capazes de identificar os infratores, pois eles já foram mais do que filmados e divulgados. Estão ali todos os dias, certos da impunidade que os protege.
Bem, mas voltemos aos eventos internacionais. Estamos em plena Copa das Confederações, o grande evento de teste para a infraestrutura do nosso país para a Copa do Mundo no ano que vem. Sinto dizer, mas este evento ficou abafado pelas enormes manifestações populares que eclodiram por todo o país. Insatisfação, revolta, indignação tomaram conta do noticiário. Inicialmente ignoradas e até debochadas por certos políticos, as manifestações ganharam força e apoio. Tiveram uma grande vitória: a redução das tarifas de transporte recém aumentadas. Apesar de ninguém saber ainda quem vai pagar essa conta, a empolgação foi geral e o desejo de mais conquistas e mudanças tomou conta do Brasil. Mas, infelizmente, fomos pegos na contramão de uma minoria violenta, que deturpou e mutilou os anseios de uma população cansada de tantos desmandos, corrupção e impunidade. É um momento delicado, que pede cautela. Já vi gente defendendo um novo golpe. Isso me apavorou! Golpe? Será que quem está levantando essa bandeira sabe o que significa, de fato, um golpe? Perderemos tudo o que conquistamos até o momento. O descrédito internacional será enorme e, mais uma vez, os países do primeiro mundo vão olhar para nós como se fôssemos uma republiqueta de bananas. Nada contra o fruto, que é excelente. Mas isso eu não quero! Não quero ninguém me dizendo o que posso ler ou não. Não. Quero continuar elegendo quem me representa e, se errar na primeira, procuro consertar na próxima. Eu QUERO essa responsabilidade!
Vamos parar com a ideia do salvador da pátria, do herói único, sábio, onipresente, onipotente, que nos mostrará o caminho a seguir. Esse homem não existe. O que existe e devemos conquistar são instituições fortes, boa representatividade no congresso, segurança, saúde, educação, dignidade, cidadania, liberdade de escolhas... Democracia! É isso que eu quero, que eu desejo para mim, para a minha família e para todo o povo brasileiro. É, para o meu amado Brasil! Meu país querido, gigante, belo... Meu Brasil!